quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Anfetaminas: importação e exportação podem ser controladas pela Anvisa

“Profissionais que prescrevem anfetamina para perda de peso fazem isso para se livrar do paciente", diz médico do HC; o Brasil tem a maior produção de medicamentos anoréxicos do mundo

Um projeto de lei aprovado no Senado no início do mês reacendeu a discussão sobre a proibição das anfetaminas – substâncias utilizadas principalmente como inibidoras de apetite para perda de peso – no Brasil. A proposta do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) visava banir totalmente a droga do País, mas o projeto que irá para a Câmara dos Deputados é uma versão menos radical do original. Se sancionado, a importação e exportação de anfetaminas terão de passar pelo crivo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A anfetamina – cujas formas mais conhecidas são anfepramona, femproporex e ritalina – é um estimulante do sistema nervoso central que provoca insônia e perda de apetite. Atualmente, esse tipo de droga é considerado o mais eficiente para auxiliar o tratamento da obesidade mórbida e da narcolepsia. No entanto, a anfetamina apresenta uma série de efeitos colaterais, como o potencial de gerar dependência química em níveis semelhantes aos da cocaína e a possibilidade para desencadear transtornos psiquiátricos em pessoas predispostas.

Segundo o relatório de 2009 do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC) da Anvisa, o Brasil tem a maior produção de medicamentos anoréxicos do mundo e consome quase toda a produção, tendo importado 99,6% do femproporex mundial em 2004. A mesma pesquisa indica que há sérios desvios de prescrição da droga: o médico que mais prescreve femproporex no Brasil é um dermatologista e entre os 10 maiores de anfepramona estão um ginecologista e um gastroentorologista.

“Profissionais que prescrevem anfetamina para perda de peso fazem isso para se livrar do paciente, porque ele perderá peso agudamente”, diz o psiquiatra supervisor do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (Ambulim) do Hospital das Clínicas (HC), Eduardo Wagner Aratangy. Ele afirma que há um grande “lobby farmacêutico” para que a droga seja indicada.

“A anfetamina é uma medicação que poderia ser abolida da humanidade”, diz Aratangy. A substância pode desencadear uma psicose induzida por drogas (uma espécie de esquizofrenia), induzir quadros de mania e euforia em pessoas com predisposição para transtorno bipolar e mesmo sintomas delirantes, quando o paciente começa a achar que está sendo perseguido ou traído.

Aratangy afirma que, dos pacientes crônicos do Ambulim que fizeram uso de anfetaminas por 10 ou mais anos, todos tiveram algum tipo de lesão cerebral, com efeitos que iam de síndromes depressivas a alterações na memória e na capacidade de concentração. “A cocaína também poderia ser usada como medicamento anestésico, mas o custo social é tão alto que não vale a pena”, compara.

Já a endocrinologista da Associação Brasileira para Estudo da obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) Claudia Cozer, que defende a necessidade da anfetamina para auxiliar o tratamento de pessoas com obesidade, diz acreditar que a nova lei aprovada no Senado “está tentando atingir as farmácias de manipulação, onde não se sabe a procedência e a eficácia da substância que está sendo importada”. Segundo o SNGPC, as farmácias de manipulação movimentam muito mais prescrições do que as drogarias, tanto pelo menor preço quanto pela possibilidade de se fazer uma dosagem personalizada.

Claudia diz que “níveis preconizados dificilmente causam dependência e cabe ao profissional detectar os pacientes que estão perdendo o controle e suspender o uso”.

A síndrome da dependência da anfetamina é uma doença crônica, segundo o psiquiatra Danilo Baltieri, do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (Grea) do HC. “O indivíduo terá que fazer tratamento por muito tempo, quiçá pelo resto da vida.” Ele estima que 50% dos pacientes com essa dependência têm recaídas nos primeiros três meses e que a droga é comumente obtida no mercado negro.

Apesar de ser contra a proibição total, Baltieri concorda com o recrudescimento da lei e diz que pode haver uma “inércia” na prescrição. “Não resolve apenas endurecer a lei. Além disso, é necessária uma capacitação dos profissionais que costumam prescrever esses medicamentos.”

Para ele, “uma droga não é boa nem má por si só”. “Ela (a anfetamina) não é inócua, mas mesmo medicações que não são inócuas podem ser usadas com indicações médicas precisas”, diz.

Patrícia Hochgraf, coordenadora do Programa de Atenção à Mulher Dependente Química (Promud) do HC, deixa claro que a anfetamina não trata obesidade. “Elas podem apenas dar um 'start' no tratamento”, explica. Segundo ela, pacientes que consomem a droga adquirem tolerância em cerca de 12 semanas, suprimindo o efeito moderador de apetite, o que pode gerar abusos para compensar o ganho de apetite.

Ela alerta para a compra pela internet sem necessidade de receita e diz que muitas pessoas não sabem que a anfetamina é uma droga, porque é legal. Além disso, diz ela, os médicos não observam o histórico do paciente e prescrevem a substância “como quem dá novalgina (analgésico e antitérmico popular, usado para dores ou febre).”

Fonte: Abril.com

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